Juristas ouvidos pela CNN divergem sobre a conduta do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em relação à investigação de bolsonaristas com a estrutura do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O setor de combate à desinformação do TSE teria sido demandado de forma não oficial pelo gabinete de Moraes durante e após as eleições de 2022. É o que aponta uma reportagem da “Folha de S.Paulo”, publicada na última terça-feira (13).
As mensagens com pedidos informais teriam sido enviadas por Airton Vieira a Eduardo Tagliaferro, um perito criminal que à época chefiava a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) no TSE. Os diálogos teriam mostrado ao menos vinte casos em que o gabinete de Moraes solicita de maneira extraoficial a produção de relatórios pelo TSE.
De acordo com especialistas ouvidos pela CNN, a Corte eleitoral tem poder de polícia e, assim, poderia conduzir as investigações. Entretanto, há argumentos de que Moraes estaria misturando a sua atuação no TSE com a do STF, determinando a condução das investigações, o que não seria da função de um juiz.
Veja o que dizem os juristas:
Marco Aurélio Mello: O ex-presidente do STF e do TSE indicou que Moraes pode estar extrapolando as suas atribuições ao conduzir o inquérito das “fake news”.
“A Polícia investiga, o Ministério Público acusa e o Judiciário, órgão inerte, somente agindo mediante provocação, com isso guardando equidistância, independência, julga”, disse Mello à CNN.
“Fora isso é a babel, discrepante do Estado Democrático de Direito”, continuou Marco Aurélio, presidente do Supremo entre 2001 e 2003 e três vezes presidente da Corte Eleitoral.
Vera Chemim: Para a advogada especialista em direito constitucional, a princípio, os diálogos divulgados até o momento remetem a uma extrapolação da conduta do ministro.
A extrapolação de papel se dá porque Moraes “teria determinado que o seu juiz auxiliar exigisse que o perito procurasse provas sobre supostas condutas de determinadas pessoas com a finalidade de confeccionar relatórios de acordo com o que ele pedia”.
O conteúdo, na opinião dela, contém indícios de autoria de infrações penais e de crime de responsabilidade por parte dos juízes auxiliares e de Moraes.
Ainda de acordo com a jurista, embora o ministro estivesse exercendo a presidência do TSE e tivesse competência para determinar a abertura de investigações, ele, ao mesmo tempo, era relator de inquéritos no STF.
E, com essa prorrogativa, estaria determinando “como se proceder, quais seriam os passos dessa investigação no sentido de chegar a confecção de um relatório que estivesse de acordo com aquilo que ele pensava”.
Chemim cita que o juiz no TSE pode determinar a abertura de uma investigação de ofício. Entretanto, os passos a serem seguidos, as conclusões, as provas, por exemplo, são competência da autoridade policial e do Ministério Público.
“[Moraes] mistura a atuação dele como ministro do TSE e ministro do Supremo. Ele mistura a função de processar e julgar, que é da competência de um juiz, ele mistura na função de investigar, determinar os passos dessa investigação, conduzir como essa investigação deve ser praticada. Tudo isso não tem a ver com a competência dele como juiz. Então, a partir desse momento, ele está acumulando funções e agindo de forma inconstitucional”, finaliza.
Arthur Bezerra de Souza Junior: O advogado especialista em direito político diz que apenas reportagens jornalisticas não possuem grande base de questionamento.
Entretanto, com o que foi divulgado até o momento, o caso trata de supostas irregularidades de Moraes.
Por ele, como relator de inquéritos no STF, ter solicitado informalmente relatórios, documentos, dados no TSE “para construir provas” nos casos do Supremo. Mas é preciso ter calma, em sua avaliação.
“Pode haver irregularidades? Num primeiro momento eu creio que não. A gente pode estar diante de uma criação de uma narrativa”, menciona.
“Ele ocupava a presidência do TSE e ministro do Supremo. O que é constitucionalmente permitido. Então, essa troca de informações, se não houve a pré-disposição dolosa de manipular provas, não há irregularidades a serem consideradas”, continua.
Carlos Ayres Britto: O ex-presidente do STF e do TSE disse à CNN não ver irregularidades no caso de Moraes.
“Tempestade em copo d’água”, classificou Ayres Britto.
Segundo o jurista, a própria Constituição Federal permite que um ministro exerça as duas funções (tanto no STF, quanto no TSE) simultaneamente – sendo assim, não há nada de errado nos procedimentos adotados.
“Além disso, os relatórios tinham como base mensagens públicas. É muito diferente da Vaza-Jato, em que Ministério Público e juiz atuaram em conjunto. Não é o caso”, prosseguiu.
Ayres Britto reforçou que o TSE tem poder de polícia e que as alegações de que Moraes teria atuado “fora do rito” podem contribuir para “assanhar o democraticídio”.
Acacio Miranda da Silva Filho: O advogado especialista em direito eleitoral e constitucional explica que não aconteceram irregularidades nos pedidos de Moraes. Isso, porque a Justiça Eleitoral, incluindo o TSE, tem poder de polícia, o que lhe difere das demais áreas do Judiciário.
“Um exemplo simples e prático: um juiz eleitoral no período das eleições quando se depara com uma irregularidade ele pode determinar a imediada cessação daquela irregularidade”, cita Acacio.
“Já um juiz criminal, por exemplo, não tem essa prerrogativa no dia a dia. Se ele acompanha um crime, ele pode prender aquela pessoa em flagrante, mas aquele inquérito mesmo assim será encaminhado a um delegado e a um promotor para que a legalidade desta prisão seja determinada e depois o processo, seja encaminhado ao juiz competente”, finaliza.
O que diz Alexandre de Moraes?
Durante a sessão do STF na quarta-feira (14), Moraes se manifestou pela primeira vez sobre o caso e disse que as reportagens não lhe preocupam.
“Todos os procedimentos foram realizados nos âmbitos de investigações já existentes”, afirmou Moraes.
De acordo com o ministro, “não há nada a esconder”, porque todos os documentos ou relatórios pedidos ao órgão de combate à desinformação do TSE se referiam a pessoas já investigadas pelo STF.
O magistrado também afirmou que as investigações dos casos ocorriam sob responsabilidade da Polícia Federal (PF) e com acompanhamento da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Em sua visão, acionar diretamente o órgão do TSE era o “caminho mais eficiente” para a investigação na ocasião. A outra opção seria demandar informações à PF. Mas, para o ministro, a corporação “num determinado momento pouco colaborava com as investigações”.
“Eu, como presidente do TSE, determinava à assessoria que realizasse o relatório. O relatório, realizado oficialmente, ficava e fica nos arquivos do TSE e era enviado ao STF. Enviado e protocolado no inquérito e na investigação específica. Dado imediatamente ciência à PGR e remetido à Polícia Federal para continuidade das investigações”, declarou o ministro.
“Seria esquizofrênico eu me auto oficiar, até porque como presidente do TSE, no exercício do poder de polícia, eu tinha o poder pela lei de determinar a feitura dos relatórios”, disse.