As mudanças climáticas têm acelerado a adoção de irrigação no sul de Minas, região que produz 50% do café mineiro e onde tradicionalmente não era necessário recorrer à ferramenta para que as lavouras tivessem boa produtividade. Na Cooxupé , a maior cooperativa de café arábica do mundo com mais de 20 mil associados em Minas Gerais e São Paulo, foram 100 novos projetos neste ano, sendo 70% no sul mineiro.
“A cada ano temos problemas mais severos com a seca. A instabilidade nas precipitações e as altas temperaturas na época de floração do café e de granação dos frutos, quando a planta precisa de água, têm levado os produtores a colherem frutos menores, perderem produtividade e dinheiro. Por isso quem tem água, energia e recursos vai para irrigação”, afirmou a o chefe-geral da Embrapa Café, Antônio Fernando Guerra.
A região do Cerrado Mineiro, que enfrenta cinco ou seis meses de seca por ano, já investe permanentemente em irrigação ou a lavoura produz um ano e fica quatro anos praticamente sem produzir nada, segundo ele.
A Embrapa estima que cerca de 600 mil hectares, ou 16% da cafeicultura nacional, sejam irrigados. Mas essa área irrigada já é responsável por 30% da produção brasileira.
Mas, disse Guerra, a irrigação com manejo incorreto pode ser mais prejudicial que a seca. “Irrigação não é aplicar água todos os dias. Tem que aplicar no momento correto que a planta precisa e suspender no período mais frio, com redução de custos de água e de energia. Cada propriedade tem que ter seu plano de manejo, mas, em geral, no solo arenoso, a irrigação deve ser feita a cada 3 ou 4 dias. No solo argiloso, a cada 5 dias.”
O aumento de produtividade com a irrigação é de cerca de 50%, afirmou, mas pode chegar a 100%, desde que haja uma combinação com manejo integrado, nutrição eficiente da planta e práticas regulares de poda.
Josimar Torres Luiz, supervisor de projeto de irrigação da Cooxupé, concorda que as mudanças climáticas vêm fazendo estragos na produtividade do café no sul de Minas nos últimos anos, o que estimula a adoção da irrigação. Além disso, a alta dos preços do café no mercado deixou o produtor mais capitalizado e propenso a investir em tecnologia.
“Está faltando chuva na hora certa. Falta em fevereiro e março, época da florada. Depois falta chuva na época de pegamento, de setembro a novembro. E o aumento da temperatura diminui a fotossíntese da planta, reduzindo mais a produção. Neste ano, essa perda foi mais acentuada na região do Triângulo Mineiro e menos intensa no sul de Minas”, afirmou Luiz.
Segundo o supervisor, a região do Cerrado Mineiro, que inclui o Alto Paranaíba e Triângulo Mineiro, já usa irrigação desde 2000 e cerca de metade das lavouras está irrigada. Mas, no sul de Minas o percentual é de apenas 6%.
“Há 15 anos, nem se recomendava irrigação no sul de Minas porque o clima era muito ameno e as chuvas vinham na hora certa, mas agora já sabemos que o investimento nessa tecnologia aumenta a produtividade”, disse.
Em 2025, segundo Luiz, associados da Cooxupé contrataram mais de 100 projetos, sendo 70% no sul de Minas, irrigando em torno de 2.500 hectares. De acordo com ele, nos últimos 3 anos, a demanda pela irrigação foi tão grande houve atraso na entrega dos equipamentos.
“Antes, irrigação era restrita a grandes projetos. Mais de 90% dos associados da Cooxupé são pequenos produtores. Conseguimos democratizar o uso dessa ferramenta com financiamento de 3 a 5 anos para o produtor pagar com o incremento da produção que vem com a irrigação”, afirmou.
A Cooxupé tem parceria com a Netafim, para o fornecimento dos equipamentos de irrigação. O acordo inclui uma triangulação com nove empresas encarregadas de oferecer o projeto de engenharia para a irrigação e fazer a montagem dos equipamentos na propriedade. A maioria dos produtores opta pelo sistema de gotejamento automatizado, que pode incluir a fertirrigação. Outra solução menos adotada é a irrigação por aspersão.
Investimento de R$ 1 milhão
Claudeci Divino de Araújo Junior, produtor de café da terceira geração da família em Nova Resende, no sul de Minas, foi um dos que adotaram a irrigação neste ano. A família tem 100 hectares na região e mais 520 hectares em São Roque de Minas, na Serra da Canastra.
Ele investiu R$ 1 milhão para fertirrigar com gotejamento automatizado 35 hectares na propriedade de Nova Resende. “Tem chovido até mais que em anos anteriores, mas não chove na hora que o café precisa. Este ano tivemos veranico em fevereiro e faltou água na floração e na granação, acarretando uma queda de 8% na produtividade, que era de 35 sacas por hectare. A irrigação não vai resolver tudo, mas esperamos um aumento na produtividade”, disse.
O investimento foi financiado pela Cooxupé para pagamento em cinco anos com juros de 18% ao ano. O cafeicultor pretende aguardar duas safras para avaliar os ganhos de produtividade antes de decidir se vai ampliar a área irrigada. A expectativa é ter um aumento de 15 a 20 sacas de café por hectare/ano.
Neste ano, Junior produziu 3.900 sacas em Nova Resende e mais 14 mil em São Roque. O total ficou abaixo da previsão de 4.500 sacas e de 16 mil sacas, respectivamente. Cerca de 20% são cafés especiais e metade da safra é entregue à Cooxupé.
Espírito Santo
Maior produtor de café conilon do país e terceiro maior de arábica, depois de Minas e São Paulo, o Espírito Santo produz 13 milhões de sacas (ou 90% da produção) de conilon em áreas irrigadas. O conilon demanda irrigação porque o plantio ocorre em terras mais baixas com temperaturas mais altas. No caso do arábica, plantado em áreas elevadas, apenas 3,5 milhões de sacas (ou 2%) vêm de plantio irrigado, segundo Fabiano Tristão Alixandre, coordenador estadual de cafeicultura do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper).
Há um ano, o instituto lançou um projeto para incentivar a irrigação do arábica no Estado visando mitigar os efeitos das mudanças climáticas. A previsão de investimento do governo do Estado no projeto é de R$ 5 milhões até abril de 2027.
“A prioridade é para o agricultor familiar, mas o incentivo é para todos os cafeicultores porque as mudanças climáticas obrigam o produtor a ser cada vez mais eficiente no manejo, na implantação de tecnologia e inovação. No clima ideal, os erros de manejo são mascarados. No clima hostil, com manejo incorreto, o prejuízo vem”, disse Alixandre.
O projeto foi implantado inicialmente em 1 hectare da propriedade de Sérgio Alexandre Corrêa, que fica a 700 metros de altitude em Brejetuba, e depois foi replicado em mais quatro unidades demonstrativas, todas acima de 500 metros nas regiões noroeste do Estado, que inclui as Montanhas do Espírito Santo e Caparaó.
O Incaper cede o sistema de irrigação em comodato e, em contrapartida, o produtor atende as orientações do instituto e abre a propriedade para demonstração da tecnologia em dias de campo.
Na fazenda de Corrêa, cafeicultor da terceira geração da família, o resultado foi animador: a produtividade subiu de 40 sacas por hectare para 78 sacas no primeiro ano de validação da tecnologia. A área teste ficou ao lado de cafezais não irrigados e a diferença das lavouras ficou evidente desde o início.
Corrêa, que tem 30 hectares de café, sendo 20 de arábica, já implantou irrigação em mais 9 hectares e pretende estender a tecnologia para toda a área de arábica em vez de investir em aumento de área plantada.
“Tenho muita água na minha propriedade. Nunca tinha pensado em irrigar, mas o Incaper me ofereceu o teste e fiquei muito satisfeito porque foi um sucesso. Vi que o primeiro ano já paga o investimento”, disse Corrêa, que gastou R$ 16 mil por hectare para implantar a fertirrigação.
Segundo ele, problemas climáticos vinham atrapalhando a produtividade da sua lavoura.
“Neste ano, choveu 108 milímetros em apenas um dia, quando a média era de 200 mm para o mês inteiro, mas faltou chuva na época da floração e na granação do café. O agricultor administra uma empresa a céu aberto e tem que fazer o máximo para ter rentabilidade”, afirmou.
