A derrubada, nesta quinta-feira (27/11), de parte dos vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Lei de Licenciamento Ambiental marcou mais um revés do governo federal em meio ao agravamento da crise com o Congresso.
Mesmo após apelo do Planalto defendendo as restrições impostas ao projeto, deputados e senadores reverteram trechos centrais da proposta com a derrubada de 56 dos 63 vetos do presidente da República.
A derrubada dos vetos consolidou, na prática, uma das fases mais crítica da relação entre governo e Congresso desde o início do terceiro mandato de Lula. É um ambiente em que os presidentes das duas Casas se distanciam publicamente do Planalto, acumulam tentativas de demonstração de força e sinalizam que pretendem impor custo político ao governo, inclusive às vésperas da sabatina de um ministro indicado ao STF.
No caso do licenciamento, Lula havia sancionado o projeto em agosto, mas vetou 63 dos cerca de 400 dispositivos. Entre eles, o que limitava a consulta, durante o processo de licenciamento, apenas a terras indígenas e quilombolas já homologadas, deixando de fora territórios em fase de reconhecimento.
Outro trecho vetado previa a transferência de responsabilidades sobre processos na concessão de licenças a estados e municípios. Segundo o governo, a medida evitaria uma descentralização dos procedimentos e a flexibilização de regras.
Ainda na noite de quarta-feira (26/11), com vistas à iminente votação nas casa legislativas, o Planalto divulgou nota reforçando que as restrições buscavam preservar o meio ambiente, proteger povos indígenas e quilombolas, garantir segurança jurídica e manter a integridade do processo de licenciamento. O discurso, no entanto, não sensibilizou o Congresso.
Durante a sessão, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) rebateu críticas por pautar a derrubada dos vetos neste momento, dizendo não se tratar de um “gesto político”, mas, sim, de uma “necessidade institucional”.
“Ela permitirá uma análise segura da Medida Provisória nº 1308, que trata do licenciamento ambiental especial e cuja vigência se encerra no dia 5 de dezembro”, disse Alcolumbre durante a sessão.
Escalada da crise
A reversão dos vetos foi o segundo golpe no planalto em menos de 48 horas. Na terça-feira (25/11), o Senado aprovou, por 57 votos a 0, uma pauta-bomba com impacto bilionário aos cofres públicos nos próximos anos.
O texto, de apelo popular, regulamenta a aposentadoria especial de agentes comunitários de saúde, sequer teve orientação contrária do PT, mas cuja aprovação partiu de um descontentamento do presidente do Senado com Lula.
A ofensiva legislativa ocorre em meio ao rompimento de Alcolumbre e Hugo Motta (Republicanos-PB), presidentes do Senado e da Câmara, respectivamente, com líderes do governo após uma série de percalços nos últimos meses que estremeceram as relações entre os dois Poderes.
O distanciamento ficou evidente também na quarta-feira (26/11), quando ambos os presidentes do Legislativo faltaram ao evento no Palácio do Planalto que oficializou a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. Ambos alegaram agendas paralelas, mas o real motivo era a falta de clima para posar ao lado de Lula em plena escalada de atritos.
A origem da crise
O estopim do mal-estar com o Senado foi a indicação de Jorge Messias, atual advogado-geral da União, para a vaga deixada por Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal (STF). Alcolumbre trabalhava pela escolha do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), nome visto por parlamentares como “um dos seus”.
A escolha de Lula por Messias levou Alcolumbre a reagir, levando ele agendar, logo em seguida, a votação da pauta-bomba, assim como a sabatina de Messias para 10 de dezembro, concedendo ao indicado apenas duas semanas de articulação com os senadores.
Embora o prazo seja semelhante ao que tiveram Cristiano Zanin e Flávio Dino, outros indicados por Lula ao Supremo, integrantes do governo temem que o ambiente político, agora mais hostil, reduza as chances de Messias de construir maioria.
Entre governistas, porém, há vozes mais otimistas. A avaliação de alguns interlocutores dessa ala é de que o Senado dificilmente rejeitaria a indicação, o que levaria a uma crise sem precedentes. Além disso, afirmam que Messias não precisa de consenso, mas de apenas 41 votos.
Na Câmara, o desgaste com Hugo Motta tem outras origens, agravadas quando o presidente da Casa entregou o PL Antifacção à oposição, escolhendo o secretário de Segurança de São Paulo, aliado do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, para relatá-lo.
O movimento irritou o governo, autor inicial do texto enviado ao Congresso em um momento em que o Planalto estava sob a pressão de dar respostas aos brasileiros diante da então recente deflagração da megaoperação no Rio de Janeiro que deixou 121 pessoas mortas.
O texto passou por sucessivas mudanças e versões, e desgastou inclusive setores da oposição. Antes disso, Motta já estava contrariado com ataques de governistas à PEC da Blindagem, proposta aprovada na Câmara e alvo de forte reação pública, que resultou em seu enterro no Senado
Reação da base governista
Após a derrota, aliados de Lula foram às redes condenar a reversão dos vetos.
A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou que “quem perde é o Brasil”, citando prejuízos ambientais, riscos à saúde pública, impactos sobre povos tradicionais e danos à credibilidade internacional do país.
Guilherme Boulos, ministro da Secretaria-Geral, classificou a decisão como “uma vergonha” e disse que a maioria do Congresso “decidiu passar a boiada”.
Já o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, lamentou “um erro gigante”, afirmando que os vetos asseguravam respeito constitucional e proteção socioambiental. “Sem os vetos, perde nosso meio ambiente, perde o Brasil”, afirmou.






