A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a MBRF lançam neste domingo uma nova certificação para a carne bovina brasileira, a da Carne Baixo Carbono. Apresentado anos após a criação do protocolo da carne carbono neutro, o novo selo valoriza dois fortes atributos da atual pecuária brasileira: o prazo de abate do conhecido “boi China” e o sistema de criação em pastagens – no caso, de boa qualidade. Mas vai além ao exigir no mínimo 20 requisitos, de um total de 67 organizados em cinco módulos.
“Ele é mais do que um boi China porque além do protocolo de qualidade chinês, tem de atender ao protocolo de sistema de produção de baixa emissão de carbono. É um boi China “plus”, disse ao Valor/Globo Rural Paulo Pianez, diretor de Sustentabilidade e Relações Institucionais da MBRF.
O protocolo da Carne Baixo Carbono, concebido com o apoio da ONG Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, se volta a sistemas produtivos diferentes dos monitorados para a carne carbono neutro, de 2020, que deve passar por revisão. Enquanto a carbono neutro mirava sistemas integrados com florestas, que contribuíam para neutralizar emissões da atividade pecuária, a Carne Baixo Carbono se volta ao sistema produtivo predominante no país, ou seja, os dezenas de milhares de hectares de pastagens sem florestas, incluindo o conhecido integração lavoura-pecuária (ILP), explica Roberto Giolo, pesquisador da Embrapa Gado de Corte e coordenador da Plataforma de Pecuária de Baixo Carbono.
Um dos requisitos “primordiais” para a certificação da produção, explica Giolo, é a idade de abate do animal, até 30 meses – mesma exigência de importadores chineses, preocupados em evitar adquirir carne de gado eventualmente com a doença da vaca louca, que pode se manifestar em animais mais velhos. É uma diferença significativa em relação à idade média de abate do gado brasileiro, de 40 meses, lembra o pesquisador da Embrapa. “São dez meses a menos emitindo gases de efeito estufa”, disse.
Outro requisito essencial – de um total de 67 – é a remoção do carbono pelo solo por meio do manejo adequado. Isso implica adotar práticas como adubação da pastagem e manter um número não excessivo de animais no pasto, para garantir uma altura adequada da pastagem e quantidades desejadas de carbono acumulado no solo. “Um pasto muito produtivo coloca carbono no solo”, disse ele.
Reduzindo emissões
A Embrapa calcula que, considerando apenas as emissões de metano entérico, que representam de 60% a 70% das emissões totais, o protocolo Carne Baixo Carbono traria uma diminuição de 10% a 35% da intensidade de emissão. Outros fatores do protocolo, como o bom manejo das pastagens, podem trazer reduções adicionais, de acordo com Giolo.
Os 67 critérios estabelecidos no protocolo foram organizados em cinco módulos: conformidades, solo, pasto, animal e terminação intensiva. Além dos pré-requisitos já citados, constam, por exemplo, a implementação de práticas para controlar erosão, princípios do sistema plantio direto e identificação individual dos animais, incluindo comprovação de que os bezerros foram provenientes de área onde ocorreu desmatamento após 2008. O protocolo também faz diversas recomendações, como uso adicional de bioinsumos no manejo do solo e de aditivos comprovadamente redutores de emissões de metano entérico, tanto no confinamento quanto no pasto.
O sistema de terminação intensiva a pasto (TIP), em expansão no Brasil e pelo qual animais recebem suplementação no próprio pasto, é “muito bem-vindo”, diz Giolo, pois intensifica o ganho de peso e pode contribuir para reduzir o tempo de abate dos animais.
Além dos pecuaristas, os frigoríficos também têm obrigações, relacionados ao bem-estar dos animais e boas práticas durante o processo de embarque, transporte, desembarque, segregação e abate, e processamento das carcaças e carnes.
Foco inicial no mercado interno
Os primeiros lotes de Carne Baixo Carbono devem chegar ao varejo brasileiro no segundo trimestre de 2026, de acordo com Pianez. Até lá, a MBRF definirá qual estratégia comercial adotará. Uma das possibilidades é comercializar cortes mais nobres para churrasco usando marcas já existentes, como Bassi ou Montana. A empresa também considera criar uma nova marca para a carne baixo carbono, abrangendo ainda tipos de carnes utilizadas no dia a dia, de acordo com o executivo. “Estamos na fase de análise de qual será o melhor caminho”, afirmou Pianez.
A princípio, MBRF e Embrapa contam com dez fazendas prontas para obter a certificação. Elas reúnem aproximadamente 15 mil animais em conformidade com as regras do protocolo, que devem gerar de 1,4 a 1,5 tonelada de carne. A companhia tem mapeadas mais de 300 fazendas que, juntas, poderiam somar 150 mil animais por ano.
Como o protocolo Carne Baixo Carbono deve reconhecer as pastagens de boa qualidade, seu potencial de alcance pode chegar a cerca de 68 milhões de hectares no país, segundo Giolo. Apesar de as fazendas aspirantes terem de produzir o chamado “boi China”, entre outras exigências, o mercado doméstico absorverá a totalidade da oferta de carne certificada ao longo do primeiro ano.
A depender da demanda do consumidor final e sua disposição em pagar um prêmio pela carne de menor emissão, a MBRF poderá ampliar a oferta dentro e fora do Brasil.
“Temos convicção de que essas fazendas com as quais vamos trabalhar nos próximos dois anos vão se multiplicar muito lá na frente. Há potencial para que tenhamos em breve muito produto tanto para o mercado interno como externo”, afirmou Pianez.







