A ministra Gleisi Hoffmann (PT), das Relações Institucionais, afirmou nesta quarta-feira (12) que o governo federal continua preocupado com pelo menos quatro pontos do relatório do deputado Guilherme Derrite (PP-SP) para o projeto Antifacção enviado pelo próprio governo à Câmara dos Deputados.
São eles:
- Retirada da criação do tipo penal de facção criminosa do texto;
- A presençã de duas legislações sobre organizações criminosas;
- Retirada do perdimento extraordinário de bens de membros de facções; e
- Descapitalização da Polícia Federal com a reordenação da destinação de recursos.
Segundo Gleisi, se esses pontos continuarem alterados, “comprometem também a eficácia do projeto e da lei no combate às facções criminosas”.
A ministra se reuniu no Palácio do Planalto com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e com representantes da Casa Civil para fechar uma nota técnica que será divulgada nesta quarta elencando os pontos considerados preocupantes da proposta.
A ministra deu a declaração após o recuo de Derrite anunciado na noite de terça-feira (11). O relator do projeto de lei Antifacção disse que vai preservar as prerrogativas da Polícia Federal (PF) no combate ao crime organizado e retirar de seu relatório as alterações propostas à lei antiterrorismo.
“A prerrogativa do presidente Hugo Motta é de pautar. Se ele pautar hoje, nós vamos estar preparados para fazer os destaques e os debates que precisamos fazer em plenário, conversar com os deputados e com os demais líderes, mas avaliamos que pela complexidade da matéria seria importante a gente ter um tempo a mais para poder nos arredondar todos os pontos”, disse a ministra.
A declaração foi dada em entrevista coletiva conjunta com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
O plenário da Câmara dos Deputados deve votar nesta quarta o projeto Antifacção, após o relator recuar e apresentar uma nova versão do parecer para atender demandas do governo federal e da PF.
Nesta terceira versão, Derrite retirou alterações na Lei Antiterrorismo e nas atribuições da PF, pontos que vinham gerando impasse com o Palácio do Planalto e com a própria corporação.
🔎 O texto foi enviado pelo governo ao Congresso após a megaoperação policial no Rio de Janeiro contra a facção CV, nos complexos da Penha e Alemão, que registrou 121 mortos e intensificou o debate sobre segurança pública no Brasil.
Divergências e recuo
Governistas criticavam as versões anteriores do relatório, que equiparavam facções criminosas a grupos terroristas e criavam restrições à autonomia da PF em investigações.
Integrantes do governo afirmavam que a equiparação entre crime organizado e terrorismo poderia abrir brechas para interferência internacional sob o pretexto de combate ao terrorismo.
A PF também se opunha à proposta por entender que ela subordinava operações federais à autorização dos estados, o que comprometeria a independência da instituição.
Com o novo parecer, o texto mantém o endurecimento das penas, cria tipos penais específicos e amplia instrumentos de investigação, mas sem alterar a Lei Antiterrorismo nem modificar as competências da Polícia Federal. Isso agradou o governo e a PF.
Recuo sobre a Lei Antiterrorismo
Versões preliminares do projeto chegaram a propor mudanças na Lei 13.260/2016, que define terrorismo no Brasil.
Agora, Derrite afirma que a definição de terrorismo continua distinta da de facção criminosa e que a união dos dois conceitos poderia gerar insegurança jurídica e questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF).
Com isso, o texto final não altera definições, penas ou hipóteses da lei atual, e mantém o combate às organizações criminosas em um marco legal autônomo.
Atribuições da PF
O relator também retirou trechos que tratavam da “proteção da soberania nacional” e que poderiam ampliar o papel da PF em investigações atualmente sob responsabilidade das polícias civis e militares dos estados.
O novo substitutivo não cria novas competências para a PF nem altera a divisão constitucional de funções entre forças federais e estaduais.
Toda a atuação operacional continuará regulada pelos marcos legais em vigor.
O que prevê o novo texto antifacção
O parecer de Derrite cria um marco legal autônomo para o combate a organizações criminosas.
Entre os principais pontos estão:
1️⃣ Novos tipos penais e penas mais duras
Cria crimes específicos para condutas como:
- domínio territorial por facções;
- ataques a serviços públicos;
- sabotagem de infraestrutura;
- ações conhecidas como “novo cangaço”;
- financiamento de organizações criminosas;
- uso de armas restritas ou explosivos.
A pena-base é de 20 a 40 anos, podendo ultrapassar 60 anos com agravantes.
2️⃣ Crimes passam a ser hediondos
- As novas tipificações entram no rol de crimes hediondos, o que endurece as regras de progressão de regime e impede anistia, graça ou indulto.
3️⃣ Progressão de pena mais rígida
- O texto prevê percentuais mínimos de cumprimento que variam de 70% a 85% da pena, conforme a gravidade e a reincidência.
4️⃣ Bloqueio de bens e cooperação financeira
Autoriza:
- bloqueio de bens físicos e digitais;
- apreensão de criptoativos;
- cooperação com BC, COAF, Receita e CVM;
- confisco ampliado de patrimônio incompatível com a renda declarada.
5️⃣ Intervenção em empresas usadas por facções
O juiz poderá determinar:
- afastamento de sócios;
- nomeação de interventor;
- auditoria de operações;
- suspensão de contratos suspeitos;
- liquidação da empresa.
6️⃣ Presídios federais para lideranças
- Prevê transferência obrigatória de líderes e núcleos de comando para presídios federais de segurança máxima.
7️⃣ Monitoramento de parlatórios
- Permite, com decisão judicial, monitoramento audiovisual de encontros de presos ligados a facções — exceto com advogados, salvo suspeita fundamentada de conluio.
8️⃣ Banco Nacional de Organizações Criminosas
- Cria um banco nacional e bancos estaduais interligados com informações sobre integrantes, financiadores e empresas associadas a facções.
- A inclusão no cadastro será condição para repasses de recursos do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).







